Resenha Literária Enraizados Naomi Novik

Autora: Naomi Novik | Título Original: Uprooted | Editora: Rocco (selo Fantástica) | Páginas: 384
Ano: 2017 | País: Estados Unidos | Skoob: Adicione | Compre: Amazon

Sinopse: Autora da aclamada série Temeraire, bestseller do The New York Times, Naomi Novik introduz um mundo novo e ousado, com raízes fincadas no folclore eslavo, em Enraizados, indicado ao Hugo e vencedor do Nebula, entre outros prêmios literários. Na trama, Agnieszka e Kasia são melhores amigas e levam uma vida tranquila no vale. Mas essa tranquilidade cobra seu preço. Afinal, às margens do vilarejo onde moram fica a temida Floresta corrompida, cheia de um poder maligno desconhecido, e para impedir que ele avance para além das fronteiras da Floresta, o povo do vale conta somente com a proteção de um mago frio e ambicioso, que a cada dez anos exige que uma jovem do vilarejo seja entregue para servi-lo. Enquanto a próxima escolha se aproxima, Nieshka teme por sua bela, graciosa e corajosa amiga. Mas pode ser que ela esteja errada. Porque, quando o Dragão chegar, não é Kasia que ele vai escolher.

Agnieszka não pensa duas vezes para subir numa árvore alta e colher as melhores frutas ou para entrar no meio dos arbustos enlameados a fim de achar deliciosos cogumelos escondidos ali. Por esse motivo, está sempre suja, com as roupas rasgadas e desarrumada (e não se importa nem um pouco com isso). Ela não tem habilidades realmente notáveis (além de conseguir se sujar sem perceber no menor tempo humanamente possível), não é bonita nem interessante; é considerada a garota mais invisível e sem graça de seu povoado. Ela é, sem dúvida, o extremo oposto de Kasia, sua melhor amiga. Kasia é encantadoramente linda e educada. Tem várias habilidades, desde cozinhar a bordar e cantar. Está sempre bem arrumada, impecável, como uma boneca. Tem lindos cabelos loiros, cacheados e sedosos, dignos da cabeça de um anjo. Todos sabem o destino que ela terá.

De dez em dez anos, o Dragão busca uma garota do povoado para morar com ele em sua torre. Ninguém sabe para quê ele faz isso, nem o que acontece lá. Mas sempre que as garotas levadas são libertas, dez anos depois, estão tão diferentes que ninguém as reconhece... e nenhuma delas quer voltar a morar no povoado. É tão certo que o Dragão escolherá Kasia quanto 2+2=4, afinal, Kasia é a menina mais notável, bela e encantadora de Dvernik, e por isso ninguém nunca teve dúvidas. Entretanto, no dia da escolha, tudo sai fora do planejado e ele escolhe Agnieszka, que nem em seus piores pesadelos se imaginou como a escolhida do Dragão. Era tão certo que ele levaria Kasia que ela nunca cogitou a possibilidade... e muito menos seus pais, que não se preparam para perder uma filha. Presa numa torre com um cara apático, mal humorado e desagradável, tudo que Agnieszka quer é morrer ou fugir antes de perder toda sanidade.

Comecei a ler esse livro a contragosto. Queria muito iniciar uma nova leitura, e esse era o único e-book que eu tinha no meu celular (como gasto muito tempo no ônibus todos os dias, aproveito esse tempo para ler no celular pois é impossível segurar um livro físico em pé num ônibus lotado). Não era o que eu queria ler no momento, e confesso que nada nele me chamou a atenção; nem a sinopse, nem a capa (que hoje eu gosto, vai entender). Acredito que isso tenha influenciado muito na dificuldade que tive em pegar o ritmo da leitura. Já nas primeiras páginas, percebemos a preocupação, tristeza e certeza de Agnieszka em Kasia ser a escolha do Dragão, e ela fica remoendo isso até chegar o dia da escolha e ele não escolher Kasia.... e sim a própria Agnieszka. 

"Todo mundo diz que você ama uma menina nascida no período do Dragão de um jeito diferente conforme ela fica mais velha; não dá para evitar, sabendo que você pode perdê-la com tanta facilidade."

"O medo e o trabalho não eram tão ruins como companhia. Ambos eram melhores do que a solidão e os medos mais profundos, os piores, aqueles que eu sabia que seriam realizados: eu não veria minha mãe e meu pai durante dez anos, eu nunca mais moraria na minha casa, nunca mais correria livre no bosque. A estranha alquimia que agia sobre as meninas do Dragão em breve atuaria sobre mim e me transformaria em alguém que eu não reconheceria, no fim das contas."

O começo do livro é uma mistura de arrastado e corrido demais, como se a autora despejasse baldes de informação, lembranças e fatos da história em um período curto demais para ser processado corretamente. Em contrapartida, a história se inicia de maneira lenta, com Nieshka conhecendo a si mesma, tentando aceitar seu destino e desvendar o mistério em pessoa que é o Dragão. Leva um certo tempo até a narrativa desenvolver realmente, até a autora pisar no acelerador. Mas quando isso acontece, tudo flui de maneira satisfatória. Eu consegui perceber essa evolução muito bem enquanto lia e foi isso me impediu de abandonar o livro. Ao notar um certo potencial, resolvi insistir e dar uma chance. Não me arrependo!

"Enraizados" gira em torno de uma Floresta mágica que captura e corrompe as pessoas do povoado de Agnieszka e de povoados vizinhos a séculos. Ninguém sabe ao certo o porquê nem para quê, muito menos quando isso começou. Há centenas de anos, os mais diferentes reis e os mais fortes magos tentam vencê-la sem sucesso e sem saber exatamente com o quê estão lutando. O Dragão é o mago que protege os povoados próximos das bordas da Floresta de seus males em troca de que uma família ceda uma menina da vila a cada dez anos para ir morar com ele em sua torre, e, apesar dos pesares, todos são gratos a ele (mesmo que o cara "rapte" camponesas inocentes e ninguém saiba realmente o que ele faz com elas), já que a floresta é absurdamente perigosa e todos morreriam sem a ajuda dele. Mas tudo que ele consegue fazer é evitar que a Floresta continue se expandindo e engula tudo e todos. De tempos em tempos, ele queima as fronteiras da Floresta e impede as estranhas criaturas corrompidas que vivem lá de gerar o caos, corromper outras pessoas ou levá-las para alimentar a própria Floresta.

"Havia também uma canção nessa floresta, mas era uma canção selvagem, um sussurro de loucura  e choro e raiva..."

"Ninguém saía da Floresta, pelo menos não inteiro e intocado. Às vezes, as pessoas saíam cegas e urrando, às vezes saíam tão retorcidas e deformadas que não eram reconhecidas; e, pior ainda, às vezes saíam com seus próprios rostos, mas, com a morte na encolha, algo havia dado extremamente errado dentro delas."

O Dragão é o personagem mais misterioso da história inteira. Frio, seco, sarcástico, mal-humorado e mais um monte de adjetivos negativos que existir. Agnieszka passa grande parte do livro tentando impressioná-lo, entender sua personalidade e decifrar suas expressões e reações... sempre sem sucesso. Porém, quando ela deixa de se importar em impressioná-lo e entendê-lo e passa a crer em si mesma e a seguir seus instintos, cresce exponencialmente. Foi muito legal acompanhar o amadurecimento absurdo de Nieshka, mesmo que às vezes ela tenha atitudes estúpidas e questionáveis. Isso mostra que ela é só mais uma pessoa, que falha, comete erros, fala quando não deve, cala quando deveria questionar e age conforme a emoção às vezes, como todos nós. Isso só a deixou mais crível.

Naomi criou um universo incrível, cheio de particularidades, detalhes e mistérios e o sustentou com grande aptidão. Para os que não gostam de longas descrições, sinto dizer que a autora realmente se demora narrando peculiaridades com minúcia (desde roupas a decorações e lutas). Se isso colabora para que a narrativa fique mais arrastada, por outro lado estimula ainda mais a imaginação e ajuda a criarmos, em nossa cabeça, todas as cenas descritas com muito mais facilidade. Ouso dizer que, no caso desse livro, ter as descrições mais detalhadas foi bastante positivo pelo fato de isso ajudar na nossa aproximação com a história e personagem principal, afinal, esse livro trata de magia, e conhecer descrições de todos os sentimentos de Agnieszka durante algum feitiço foi muito interessante. Eu amava essas cenas em especial, e a intensidade que elas transmitiam.

"– O que você fez comigo? Ele disse... ele me chamou de feiticeira. Você me transformou numa feiticeira."

"Por impulso, tentei alinhar nossas magias: visualizei a dele como a roda de um moinho e a minha como o riacho apressado que passava por ela. – O que você... – começou ele e, abruptamente, tínhamos uma única rosa, e ela começou a crescer. (...) Ele olhou para mim, perplexo e, pela primeira vez, em dúvida, como se tivesse tropeçado em alguma coisa sem estar preparado. Suas mãos finas e compridas envolviam as minhas, nós dois sustentando a rosa juntos. A magia estava cantando em mim, através de mim; senti o murmúrio do poder dele cantando a mesma canção."

Esse livro foi inspirado em contos de fada, principalmente poloneses. Durante a leitura, conseguimos, de fato, notar os detalhes aqui e ali que remetem a um conto e outro que conhecemos. Porém, mesmo contando com algumas coisas em comum com essas histórias, Naomi conseguiu criar uma história única, cheia de peculiaridades e bem amarrada. Todas as pontas se conectam, e ao fechar o livro pela última vez você não sente como se algo ficasse incompleto. Eu senti aquele enorme prazer de finalizar uma história sem ficar enlouquecida com situações não resolvidas; de perceber que tudo ficou, maravilhosamente, no seu devido lugar.

Mas nem tudo são flores. Uma coisa que me incomodou muito e que me impediu de favoritar o livro foi o fato de um assunto muito importante ter sido tratado de formal banal. O problema não foi ter colocado as cenas no livro, mas é que, se tratando de algo muito discutido hoje em dia, seria muito legal se a autora tivesse aproveitado a oportunidade para atrelar uma lição, um aprendizado para o leitor ali, reafirmando a gravidade daquilo. Mas a forma como tal fato foi colocado e desenvolvido na obra deixou a desejar devido à pouca ou nenhuma importância dada. Não entrarei em detalhes para não dar spoilers, mas quem já leu ou vir a ler saberá exatamente do que digo (quem quiser muito saber o que é, me mande um e-mail que explico).

"Quanto tempo levava para esvaziar alguém
de dentro para fora?

O livro é como um rio que, no fim você sabe que termina no mar, mas não faz ideia sobre o que encontrará pelo caminho até chegar lá, nem por onde ele passará. E eu me diverti muito descobrindo tudo isso. Achei a história muito bem construída e realmente amei o desfecho, que foge do óbvio e de tudo que eu esperava ao mesmo tempo em que me deixou completamente satisfeita e surpresa por combinar perfeitamente com ao enredo. Em minha opinião, a autora fez uma excelente escolha. Não há melhor final para esse livro, muito menos um que combine mais com nossa protagonista desastrada e maltrapilha. "Enraizados" foi uma surpresa mais que agradável para mim, que relutei para começar a ler e no final me vi triste por chegar ao fim.

Por pouco não virou favorito.

Excelente, ganhou 5 novelos!


OBS: Esse livro contêm, além de cenas picantes, conteúdo erótico.

Por apresentar conteúdo adulto, não é indicado para menores de 18 anos.

Enraizados

Naomi Novik

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Sobre a autora


 Naomi Novik
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Naomi nasceu em Nova York em 1973, parte da primeira geração americana de sua família, e ela foi criada com contos de fadas poloneses, Baba Yaga e Tolkien. Seu primeiro livro, O dragão de Sua Majestade, da série Temeraire, foi publicado em 2006 e traduzido para vinte e três idiomas, além de os direitos de filmagem terem sido comprados por Peter Jackson, o diretor vencedor do Oscar pela trilogia O senhor dos anéis. Ganhou o Prêmio John W. Campbell de Melhor Autora Revelação, o Prêmio Compton Crook de Melhor Primeiro Livro, e o Prêmio Locus por Melhor Primeiro Livro. É uma das fundadoras e membro do conselho da Organization for Transformative Works, uma organização sem fins lucrativos destinada a proteger os direitos de uso justo dos criadores de fanfics. Também é escritora de fanfic e criadora de fanvídeos, além de ser uma das mentoras do arquivo open-source Archive of Our Own. Novik mora na cidade de Nova York com o marido, Charles Ardai, escritor de mistério ganhador do Prêmio Edgar, a filha Evidence, e quatro cinco computadores que acabaram de ser espanados.

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