07/06/2020

Resenha de Graphic Novel
O melhor que podíamos fazer
Thi Bui


Autora: Thi Bui | Título Original: The Best We Could Do | Editora: Nemo
Ano: 2017 | Páginas: 336 | Skoob: Adicione | Compre: Amazon
O Melhor Que Podíamos FazerSinopse: Esta é uma história sobre a busca por um futuro melhor e saudosismo pelo passado. Explorando a angústia da imigração e os efeitos duradouros que o deslocamento tem sobre uma criança, Bui documenta a difícil fuga de sua família após a queda do Vietnã do Sul, na década de 1970, e as dificuldades que enfrentaram para construir uma nova realidade. O melhor que podíamos fazer traz à vida a jornada de Thi Bui em busca de compreensão e fornece inspiração a todos aqueles que anseiam por um futuro melhor enquanto recordam o passado de privações. "O livro de Thi Bui me tirou o fôlego. Numa época de crise de refugiados, sua mensagem é necessária. O melhor que podíamos fazer expande a história pessoal de uma família num contexto histórico global, enquanto condensa as gerações da guerra no Vietnã a proporções íntimas e humanas. Bonita e poderosa" - Craig Thompson, autor e ilustrador de Retalhos e Habibi.
"O Melhor que Podíamos Fazer" é uma história em quadrinhos autobiográfica escrita e ilustrada por Thi Bui. Nesse livro, a autora conta sobre seu passado e de seus pais, mais precisamente sobre como a guerra do Vietnã teve impacto em sua família e obrigou-os a sair do Vietnã do Sul, onde moravam, em busca de refúgio nos Estados Unidos. Entre passado e presente, Thi busca entender mais sobre a história de seus pais e sobre como as cicatrizes deixadas por tudo o que viveram, antes e depois da guerra, os tornou o que são hoje. 


Essa Graphic Novel foi criada, inicialmente, em formato de um livro artesanal, com fotos e algumas ilustrações, mas com textos bastante acadêmicos. Entretanto, Thi Bui não conseguia sentir que o livro passava o que ela queria. Não sentia que era compreensível nem delicado o suficiente. Assim, veio a decisão de transformar tudo em uma graphic novel sob seu próprio traço. Thi conta que um livro de relatos sobre sua família lhe parecia mais valioso que qualquer história que pudesse criar, porém foi um projeto que levou muito tempo não somente porque exigia muita pesquisa, dedicação e adaptação a um formato de narrativa ao qual ela não estava acostumada, mas porque era também muito pessoal e doloroso. Mas ela conseguiu. E hoje aqui estou, segurando um exemplar e refletindo sobre o relacionamento entre pais e filhos e sobre tudo que a família Bui viveu. Compreender o intuito e o contexto da criação do livro foi algo que, para mim, tornou a experiência de leitura ainda mais interessante e tocante, portanto não poderia deixar de mencionar aqui.

Tudo começa com o nascimento do filho de Thi e a imensa sensação de responsabilidade que parece nascer junto à criança. Com a maternidade, uma gigantesca onda de empatia por sua mãe lhe invade, e ela começa a refletir sobre família e resgatar memórias e relatos sobre seus progenitores, voltando no tempo para compreendê-los na atualidade. Um dos pontos no qual a autora mais se dedica é nas guerras vivenciadas por seus pais e avós e que deixaram muitas marcas na família. Assim, conhecemos mais sobre a Guerra do Vietnã a partir dos relatos de quem vivenciou tudo e sofreu as consequências, tendo que buscar refúgio em outro país para que os filhos ao menos crescessem com liberdade e com o mínimo de qualidade de vida.

Esse conflito bélico ocorreu no contexto da Guerra Fria, teve grande interferência dos Estados Unidos e foi consequência direta da Guerra da Indochina.


contextualização histórica: as guerras
O que hoje conhecemos como Vietnã era um território pertencente a uma colônia francesa do sudeste asiático. Muitas batalhas pela conquista da independência foram travadas contra a França em um confronto conhecido como Guerra da Indochina. Quando se tornou independente, o território se dividiu em dois: O Vietnã do Sul, capitalista aliado aos Estados Unidos e Vietnã do Norte, socialista aliado à União Soviética. Havia um acordo inicial de que se unificariam por meio de eleições. Entretanto, o líder do Vietnã do Sul se opôs. Assim, desencadeou-se grande tensão entre Norte e Sul, que aumentou gradativamente com o passar dos anos.

Até aí, os Estados Unidos apenas enviava armas e conselheiros militares. Até que o Vietnã do Sul sofre um golpe de estado, tem seu governante assassinado e se instaura uma ditadura. É oficializada a entrada dos EUA na guerra, que, usando supostos ataques em uma embarcação americana por torpedeiros norte-vietnamitas como pretexto, começa a enviar tropas para lutar contra os vietcongues (guerrilheiros do exército norte-vietnamita).

A participação americana foi marcada por extrema violência e incontáveis mortes, além de destruições de vários hectares de florestas e plantações em um lugar no qual as pessoas dependiam totalmente da agricultura. Mas os vietcongues estavam ganhando e tinham apoio da população. Como maneira de cessar esse apoio, as tropas americanas começaram a bombardear vilas inteiras. Depois de muitos anos de guerra, mortes e pressão popular, o presidente dos Estados Unidos assinou um cessar-fogo em 1973, que deu fim à participação americana na guerra. Sem o apoio americano, o Vietnã do Sul não conseguiu conter o avanço dos exércitos comunistas do Norte e teve sua capital, Saigon, conquistada e renomeada. Com a derrota do governo sulista, o Vietnã foi unificado sob um governo comunista em 1976. Essa ficou conhecida como a Guerra do Vietnã.
Estima-se que mais de 58 mil soldados norte-americanos tenham morrido nessa guerra e, ao menos, 1 milhão de vietnamitas. Há estimativas de que o total de mortes ultrapasse a casa de três milhões. Por isso, a Guerra do Vietnã é considerada o mais violento conflito armado da segunda metade do século 20. 


A família de Thi Bui fugiu do Vietnã em 1978, dois anos após a queda do Vietnã do Sul, quando ela ainda era criança. Eles tiveram muitas dificuldades em se adaptar ao novo país. Além do choque de cultura, tiveram dificuldades com a política anti-imigrantes e sofreram preconceito e estigmas sociais que, infelizmente, mesmo na atualidade ainda é realidade dos imigrantes refugiados. A casa deles se tornou um refúgio dentro de outro refúgio mas, ao mesmo tempo, um cativeiro de frustrações, expectativas não alcançadas e medos.

Entre outras coisas, tudo isso contribuiu para que especialmente Thi tivesse uma infância difícil, completamente envolta em uma nuvem cinzenta de temores e melancolia... além acarretar o desenvolvimento de um relacionamento complicado com os pais. Talvez por ser muito pequena na época e não entender como a guerra endurece as pessoas... Talvez por não se sentir parte de algo ao qual eles pertencem, por não ter vivido o que eles viveram, por não ter presenciado a guerra de fato. É difícil falar com precisão.

Pela soma de todos esses motivos e também de outros mais, ela se sente deslocada e perdida, como se existisse um enorme vazio entre ela e seus pais que precisasse, desesperadamente, preencher.
"Comecei a registrar a história da nossa família, pensado que se conseguisse construir uma ponte entre o passado e o presente poderia preencher o vazio entre mim e meus pais e que se conseguisse ver o Viêt Nam como um lugar real e não como símbolo de algo perdido, veria meus pais como pessoas reais e aprenderia melhor a amá-los. Eu os interrogo sobre suas vidas, a guerra e o país que uma vez foi seu LAR. Má, sempre pragmática, preferia falar de coisas alegres ou fazer compras. Não quero falar sobre o jantar quando há tantas coisas importantes que nunca falamos." (Págs. 36 - 38)
"Como chegamos a tamanha solidão? Vivemos tão perto e mesmo assim nos sentimos tão longe. Continuo olhando em direção ao passado, esboçando nossa jornada em sentido contrário, através do oceano, através da guerra, procurando uma origem que dê sentido à nossa história..." (Págs. 39 - 41)
As passagens que citam as gerras são tensas e muito interessantes. Impossível não se sensibilizar por Má e Bô, pais de Thi Bui que viveram e sofreram diretamente as consequências causadas por esses conflitos bélicos. Como já citei, o livro fala muito sobre e, consequentemente, ensina bastante acerca da Guerra da Indochina e da Guerra do Vietnã e sobre alguns costumes do país também. Eu amo quando leio e aprendo algo! Claro que finalizei o livro e já fui correndo procurar saber mais sobre essas guerras, e já listei alguns filmes para assistir e aprender mais também (caso também tenha interesse em saber mais, confira as referências ao final do post).


Sobre a narrativa, há constante intercalação entre presente e passado. O livro progride entre memórias de infância da autora, relatos da guerra contados por seus pais e a história que ouviu sobre seus avós. Entretanto, não é uma narrativa linear. Thi vai e volta no tempo como tentativa de, com uma memória, tentar compreender outras e assim sucessivamente. É totalmente compreensível a criação desse livro ter sido um processo tão doloroso para ela. Extremamente tocante e intimista, impossível não se comover com as vivências dos personagens e começar a tentar despi-los, decifrá-los também. É como se estivéssemos ali, ouvindo deles próprios seus relatos, opiniões e vivências e montado uma espécie de quebra-cabeças junto com a autora.

Os traços da graphic novel combinam muito com a história e transmitem uma dureza e simplicidade que fazem toda a diferença. O toque de vermelho alaranjado junto ao preto e branco me remete uma sensação um tanto quanto acolhedora em meio à frieza e ao cru, como um pingo de esperança... ou de sangue? Vermelho é a cor da guerra. Mas também é uma cor emocionalmente intensa e representa força, paixão e determinação. Em minha opinião, transmite tudo que o livro passa e combinou muito com o contexto geral. Eu amo o projeto gráfico desse livro como um todo e o fato de a própria autora ter ilustrado dá um ar ainda mais pessoal e especial.


"O Melhor que Podíamos Fazer" é um livro sobre família, sobre refugiados, sobre guerra e sobre esperança. Mostra a importância da busca pelo entendimento do passado para compreensão do presente, bem como a importância de termos paciência e carinho com nossos pais, pois com certeza eles fizeram o melhor que podiam fazer para nos criar da melhor forma. Finalizei com vontade de entender mais sobre a história de meus familiares e, como a autora, buscar compreendê-los melhor. Com uma narrativa tocante, grande imersão histórica e muitas reflexões, com certeza vale a leitura.


Eu amei essa leitura, portanto, 5 novelinhos!




O Melhor que
Podíamos Fazer
Thi Bui


Clique aqui e veja as referências usadas sobre a Guerra do Vietnã

    

Sobre a autora

Thi Bui
 Thi Bui
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Thi Bui nasceu no Vietnã e migrou para os Estados Unidos ainda criança. Estudou Artes e Direito e pensou em se tornar uma advogada de direitos civis, mas, em vez disso, virou professora de escola pública. Bui mora em Berkley, Califórnia, com o filho, o marido e a mãe. "O Melhor Que Poíamos Fazer" é sua primeira graphic novel.

Au revoir ♡

5 comentários:

  1. Oi, Polyana como vai? Adorei as fotos ficaram maravilhosas. O livro deve ser maravilhoso. Não o conhecia e fiquei tentado a lê-lo. Ótima resenha. Abraço!

    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  2. Não conhecia esse livro, mas parece incrível. Fiquei morrendo de vontade de conferir!

    Beijo.
    Cores do Vício

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  3. Nossa, que incrível!
    Deve ter sido realmente muito difícil pra autora escrever sobre algo assim.
    Adorei sua resenha também, com toda a contextualização e informações!
    Beijos,
    A Menina da Janela

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  4. Muito interessante! Livro que a gente pode associar a história real! Muito bacana!

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  5. Eu amo demais graphic novel, não conhecia esse <3 amei as fotos e sua resenha, muito bem detalhada e bem feita. Amei e vou por na minha lista

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