28/12/2021

Resenha Literária
A garota que tinha medo
Breno Melo


Autor(a): Breno Melo | Editora: Chiado
Ano: 2014 | Páginas: 280 | Skoob: Adicione | Compre: Amazon
A Garota que Tinha MedoSinopse: Marina é uma jovem que faz tratamento para a síndrome do pânico. Às voltas com o ingresso na universidade, um novo romance e novas experiências, ela tem seu primeiro ataque de pânico. Sua vida vira de cabeça para baixo no momento mais inapropriado possível e então psiquiatras e psicólogos entram em cena. Acompanhamos suas idas ao psiquiatra e ao psicólogo, o tratamento farmacológico e a psicoterapia. Ao mesmo tempo, conhecemos detalhes de sua vida amorosa e sexual, universitária e profissional, social e familiar na medida em que elas são marcadas pela síndrome. Um tema atual. Uma excelente obra tanto para conhecimento do quadro clínico como entretenimento, narrada com maestria e de uma sensibilidade notável.
Em "A Garota Que Tinha Medo" conhecemos Marina, uma paraguaia que, em um momento crítico de sua vida, começa a ter crises de pânico. Marina passa, então, a ter de aprender a conviver com as crises, ao mesmo tempo em que lida com o preconceito das pessoas ao redor.


Primeiramente, acho importante citar que esse livro não é para todos. Eu mesma não sei se o indicaria para alguém com a própria síndrome do pânico. Além de contar com possíveis gatilhos, me questiono se ler sobre as misérias que a protagonista passa por causa da doença pode ser desapontador e desmotivador para alguém que também é, como o livro diz, "panicoso", a ponto de fazer mal à essa pessoa. Porém, percebi que o autor tentou escrever a história de modo que alertasse, informasse, tirasse dúvidas e levasse outras pessoas, com síndrome do pânico ou não, a refletir. Breno Melo inclusive adotou um final que, apesar de toda a história de luta que Marina passa, mostra que há, sim, uma luz no fim do túnel e que, mesmo que para muitos não haja de fato cura, com o tratamento é possível ser feliz, com uma vida completamente normal. Na verdade, talvez todas as misérias e tristezas narradas na obra levem pessoas a se identificarem com a história e a se verem ali de alguma forma. O ponto é que vejo dois casos possíveis. Por se tratar de um assunto delicado e para muitos estar repleta de gatilhos, uma pessoa com a síndrome do pânico deve avaliar bem antes de iniciar a leitura (principalmente o psicológico), pois esta poderá ou não ser benéfica para ela.

"Há mais loucura ou falta de razão no preconceito das pessoas em geral sobre os distúrbios mentais que nos distúrbios mentais em si." (Página 227)
"Meu corpo reagiria o tempo todo a algo em minha mente, e essa reação de quando em quando chegava ao auge. O auge eram os ataques de pânico. Era como ter um vulcão fervilhando dentro de mim, e de vez em quando ele entrava em erupção." (Página 11)
O livro é protagonizado por Marina, que o narra como uma espécie de livro de memórias. Ela conta como era sua vida antes da primeira crise e como ficou de cabeça para baixo depois. Ele também alerta, mesmo que nas entrelinhas, sobre a cobrança extrema pela qual passamos advinda da família e/ou de nós mesmos (principalmente os jovens no período do vestibular, concursos, etc) e que, no caso de Marina, foi um dos incentivos para que ela desenvolvesse ou despertasse as crises de pânico. Marina é uma personagem que me deu muita raiva. Ela se auto sabota o tempo inteiro, fazendo de tudo para manter perto pessoas que na verdade não fazem bem a ela, sejam amigos ou interesses românticos. Quanta vergonha alheia senti dela!

Coerência, minha filha. Cadê? 
"Mais que criativa, me considero uma garota sensível. Sou fotógrafa amadora e algumas imagens banais simplesmente me encantam. Suspeito que fotografo, muitas vezes, o que ninguém vê. Mas se for se assim, quem me deu esses olhos? Às vezes eu preferia não tê-los. Um pouco de insensibilidade me faria sofrer menos." (Página 9)
"Queria ser como os outros seres humanos, mas o fato é que eu não era. Sempre fui estranha, e um dia isso ficou claro como a água. Primeiro minha personalidade e depois a síndrome do pânico cavaram um abismo entre mim e as pessoas que eu conhecia. Deixei de me identificar com elas e suspeito que elas também tenham deixado de me ver como uma semelhante." (Página 10)
Marina também é muito religiosa, e questiona várias vezes se o que passa é uma provação divina, se compara a personagens bíblicos, cita passagens da Bíblia e discorre sobre fé, religião e Deus. Então religião e religiosidade são temas super, SUPER frequentes no livro, de modo que em todos capítulos, provavelmente, há alguma citação sobre o tema. Confesso que por vezes me vi querendo pular essas partes, pois estava curiosa para ler sobre a síndrome e como Marina lidaria com ela e não acerca de curiosidades sobre a Igreja anglicana, por exemplo (e são muuuitas curiosidades). Mas entendo que a religiosidade fez parte do processo da personagem para crescimento próprio e também tratamento da doença, seja com as reflexões, seja no quesito "ter algo a que se apegar", ou mesmo como característica escolhida mesmo. Muitas pessoas passam por situação semelhante, questionando tudo, inclusive a religião, diante de um grande problema (como uma doença).
"Minha fé não era maior porque eu me sentia injustiçada. Eu sempre havia me esforçado para ser boa e agora sofria mais que algumas pessoas más, que fazem coisas horríveis e sorrirem. Eu não pedia que os maus fossem castigados, mas pedia que ao menos os bons não fossem! Talvez minhas súplicas não fizessem sentido. Talvez minha lógica fosse um disparate para Deus, tal como a Dele me parecia absurda. Não nos entendemos sobre vários assuntos, e eu orava ele. Por dezoito vezes, me perguntei por quê. Por trinta e quatro vezes, dirigi minhas queixas a Deus. E, por setenta e sete vezes, Deus me mostrou que eu não compreendia o mundo que ele havia criado. Me senti pequena como um grão de areia, sem poderes sequer para intervir em minha própria vida, e o universo me pareceu maior e mais assustador, porque estava além de minha compreensão. Me conformei em parte e abrandei meu choro." (Página 156)
"- Acha que Deus, podendo tudo, gostaria de me curar? 
- Certamente.
- E por que demora agir? Quanto tempo mais tenho de rezar em voz alta ou orar em silêncio até ser atendida? Me curar não pode ser mais difícil que criar céus e estrelas!" (Página 160)
"Me senti um lixo e tive raiva de Deus, que havia criado este lixo." (Página 132)


A narrativa, de início, me prendeu muito. O livro, nas primeiras páginas, iniciou superando minhas expectativas. Entretanto, ao desenrolar da trama me via cada vez mais desinteressada. As passagens por vezes são confusas e desconexas. Durante um assunto, o autor de repente já passa para outro que, na grande maioria das vezes, não tem a menor ligação com o primeiro. E assim se vão páginas e páginas de textos e devaneios e pensamentos desarticulados da protagonista. Além disso, muitos diálogos são estranhos, na maioria das vezes exageradamente breves e sem profundidade; inúteis. Por essas e outras, tive muita dificuldade em me conectar com a história e com os personagens. Gradualmente comecei a não ter mais tanto interesse em saber o que aconteceria ali e só queria que o livro acabasse logo. No fim, foi uma leitura cansativa e extremamente custosa.

Falando em personagens, alguns simplesmente aparecem DO NADA, depois da metade do livro, e na história são narrados como super importantes na vida da protagonista. Mas como são tão importantes se nunca foram citados? E da mesma maneira que colocou esses personagens ali, abruptamente, o autor os tirou, de forma muito insatisfatória. Senti como se ele estivesse tentando prolongar o livro ou aumentar os arcos para manter o interesse, mas digo que foi bem infeliz caso tenha sido mesmo a intenção.

Um ponto positivo na obra é a forma como o autor relata os ataques de pânico. Sempre de maneira sensível e de forma que a gente consiga, praticamente sentir como a personagem e entender o que ela passa naqueles momentos. Nesse quesito o livro é realmente denso.
"Meus gritos não se transcreviam; não significavam coisa alguma que valesse uma frase curta. Eram interjeições, às vezes sequer isso. O que eu berrava poderia ser repetido, sem necessidade de tradução e sem prejuízo de significado, em qualquer idioma do mundo. O desespero é universal." (Página 89)
"Eu também gostaria de ter me abandonado ali, voltando apenas quando a crise tivesse acabado. Meu pequeno inferno alegre, que eu amava, havia se transformado num grande inferno triste." (Página 115)


E, no final, faltou mais desenvolvimento no arco do relacionamento dela com a mãe, que praticamente não aparece mais no livro depois da metade. E o irônico é que justamente as cobranças exageradas por parte da mãe dela foram um dos principais gatilhos para o aparecimento/despertar da doença em Marina, como ela mesmo cita em certa altura do livro. Senti que esse tópico super importante ficou em aberto.
"Embora contasse dezoito anos, diante de minha mãe era como se tivesse nove. Ela me sufocava com cobranças e eu procurava lhe agradar, mesmo que fosse com prejuízo de mim mesma. Assim fui crescendo sem perceber e assim cresci. Eu mal me via como um ser a parte, com necessidades e vontades próprias. Eu era um braço, uma perna de minha nãe, que ela comandava. Mas o desgaste desse braço ou perna era meu." (Página 20)
"O que eu não percebia é que minha felicidade estava limitada pelo momento, pela situação ou por terceiros. Todas as coisas que me faziam feliz, nessa época, estavam fora de mim." (Página 29)
Esse livro foi lançado em 2014, mas ainda se trata de um tema atualíssimo. É muito importante discutir sobre doenças mentais e normalizar a existência delas. Dessa forma, pessoas acometidas com tais doenças deixarão de enfrentar tanto preconceito e exclusão da sociedade e se sentirão mais abertas a descobrir o que têm e a procurarem ajuda profissional, pontos que são abordados pelo livro. O Enem 2020 abordou o tema ao cobrá-lo na redação do exame e esse tipo de ato também incentiva a discussão. Enfim... "A Garota que Tinha Medo" tinha tudo para ser um livraço, mas em minha opinião o autor não conseguiu desenvolver a história satisfatoriamente e o tema, mesmo que tão importante, não foi suficiente para sustentar a história.
"Não podendo viver para coisa alguma devido à sindrome, passei a viver apenas para vencê-la. E cada dia sem um piripaque já era uma vitória." (Página 199)
A diagramação é boa, o tamanho da fonte é muito confortável e a qualidade do papel parece ótima. Só acho que pecaram na capa, que não é muito atraente para a leitura (capas com fotos de rosto são realmente  complicadas e deveriam ser evitadas a todo custo, concordam? haha').


Dois novelinhos para esse livro.

Apesar de a história de passar no Paraguai, o livro é brasileiro.
Contêm algumas cenas picantes.




A Garota que Tinha Medo
Breno Melo



Sobre o(a) autor(a)

Breno Melor
 Breno Melo
Breno Melo nasceu em 1980, na cidade do Rio de Janeiro. Foi indicado para Poeta do Ano pela Sociedade Internacional de Poetas mais de uma vez, em 2002, 2003 e 2004. Participou da antologia "The Best Poems and Poets of 2003", com o poema "Hazel Eyes", e da antologia "The Best Poems and Poets of 2004", com a composição "That Girl". Também foi selecionado para "The International Who's Who in Poetry", incrível obra mundial que conta com participantes de vinte e cinco nações ao redor do globo e reúne, segundo a Sociedade, os poetas mais interessantes que ela encontrou ao longo dos catorze anos anteriores.

Au revoir ♡

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