07/10/2020

Resenha Literária
Quando eu era Joe
Keren David



Autora: Keren David | Título Original: When I Was Joe | Editora: Novo Conceito | Páginas: 318
 Ano: 2014 | País: Inglaterra | Skoob: Adicione | Compre: Amazon
Quando Eu Era JoeSinopse: Imagine o que é perder, em uma única noite, sua casa, seus amigos, sua escola e até mesmo o seu nome. Aos 14 anos, Ty presencia um crime bárbaro num parque de Londres. A partir desse momento, tudo muda para ele: a polícia o inclui no programa de proteção à testemunha, e Ty é obrigado a assumir uma vida diferente, em outra cidade. O menino ingênuo, tímido, que costumava ser a sombra do amigo Arron, matricula-se na nova escola como Joe... E Joe não poderia ser mais diferente de Ty: faz sucesso com as meninas, torna-se um corredor famoso... Joe é tão popular que acaba incomodando os encrenqueiros da escola. Ser Joe é bem melhor do que ser Ty. Mas, logo agora, quando ele finalmente parece ter se encaixado no mundo, os atentados e ameaças de morte contra sua família o obrigam a viver no anonimato, em fuga constante e sob a pressão de prestar depoimentos sobre uma noite que ele gostaria de esquecer. Um livro sobre coragem e o peso das consequências do que fazemos.
Tyler é um adolescente de 14 anos que leva uma vida normal para um garoto da idade: estuda numa boa escola, mora num lugar modesto, mas agradável e gosta de aprender idiomas nas horas vagas para, quem sabe, ser um tradutor de futebol um dia. Vive tentando impressionar seu amigo, Arron, que o chama de garotinho devido à sua falta de coragem, apelido que o irrita profundamente. Até que Ty vê um assassinato acontecer, e seu amigo Arron está envolvido. Espantado, aterrorizado e confuso, decide ir até a polícia testemunhar. O que ele não imagina, é que sua vida está prestes a virar de cabeça para baixo... Mas agora, tudo que ele sabe é que a polícia não pode descobrir que ele não está contando toda a verdade.


"Quando Eu Era Joe" foi um livro que demorei pegar da estante para ler. Não que a historia não me interessasse. Mas eu sempre ficava com um pé atrás simplesmente pelo fato de o protagonista ter apenas 14 anos. Já imaginava que ele seria um personagem totalmente imaturo, e que o livro giraria em torno de coisas típicas da vida de jovens dessa idade (mesmo se tratando de um livro policial e o pano de fundo da história ser um assassinato) e isso me desanimava bastante. Porém, recentemente decidi que eu daria uma chance para os livros empacados na minha estante, e aproveitaria para trocar/vender/doar alguns e fazer as histórias circularem (creio na ideia de que um livro parado na estante é um livro desperdiçado, que não está cumprindo seu papel). E quando fui escolher um dos empacados para ler, decidi que seria esse por ser diferente dos livros que eu andava lendo. Quis dar uma variada. 

"- Não podemos fugir, as mentiras não irão embora."

Infelizmente, eu não estava errada quanto ao que disse no começo do parágrafo acima: Ty é adolescente e age como tal; comete atitudes imprudentes e super infantis. É metido a sabichão e dono da razão. Durante todo o livro, 90% das atitudes do garoto me irritaram. Passei as mais de 300 páginas esperando um súbito amadurecimento que não aconteceu. Tudo bem que ele é bem novo, e essas coisas, mesmo na vida real, demoram muito a acontecer (muitas pessoas com mais de 20 ainda não têm maturidade considerável, como a própria mãe dele). Entendo também que esse amadurecimento exponencial talvez ficasse forçado pela idade dele. Mas, tendo em vista tudo que ele passou, presenciou e conheceu, eu esperava bem do personagem.
"Lembro-me do Ty, paciente e ansioso, examinando todos os sinais misturados que seu amigo enviava e fico enojado com pobre coitado — digo a mim mesmo. Está cada vez mais difícil me lembrar de que eu era Ty, que ele era a mesma pessoa que eu sou agora." (Página 74)
"Eles tiram uma radiografia. Eu fico deitado sozinho na mesa branca enquanto a máquina clica e zumbe por cima de meu corpo. Imagino como seria se essas máquinas pudessem enxergar dentro de sua mente assim como de seu corpo e ver o emaranhado de mentiras e pensamentos  e problemas que tem lá; se pudessem produzir uma imagem que capturasse a verdade interna, a pessoa real, o esqueleto da alma. Quem veriam se pudesse enxergar dentro de mim?" (Página 147)
Entretanto, é inegável que Ty, mesmo com tantas atitudes estúpidas, é, muitas vezes, bem mais maduro que Nicki, sua mãe. Ela foi uma das personagens que eu menos gostei no livro; achei que faltou  mais aprofundamento nela. O fato de ela ter sido mãe solteira aos 16 anos é super recorrente na narrativa. Tyler se envergonha de ter uma mãe tão nova e bela, ao mesmo tempo que a julga irresponsável por ter engravidado tão cedo. No fundo, também se sente culpado por acreditar ter "arruinado" a vida da mãe, afinal, sua chegada comprometeu vários planos na vida dela, inclusive uma promissora carreira nos esportes. É engraçado pensar que algo que tornou possível a existência do garoto (a gravidez precoce de Nicki) seja a mesma coisa que o irrita tanto. 

Questões familiares são um dos pontos chaves desse livro. Além de todo o questionamento sobre a mãe, o fato de o pai ser uma incógnita é algo que assombra os pensamentos de Ty, afinal ele se questiona sobre o porquê de a mãe nunca tê-lo deixado conhecer seu pai e sobre a razão de suas tias mudarem de assunto sempre que ele questiona sobre seu progenitor. Todo esse mistério cria espaço para a imaginação do garoto, que se perde imaginando como seu pai é, quais traços puxou dele e se seu lado mais sombrio foi herdado do cara.



O livro conta com uma personagem paraplégica super bem resolvida e prestigiada, e isso me animou muito. Ellie não deixa se debater pelos problemas, e está sempre pronta para encarar todos os desafios que a vida lhe propuser. Achei muito interessante a mensagem que passa para nós, que não temos todos os problemas que uma pessoa na cadeira de rodas tem (mobilidade dificultada é apenas um deles) e, mesmo assim, muitas vezes nos deixamos abater e desistimos nos primeiros obstáculos.
"— Então ela abaixa os braços por trás da mesa e meio que desliza em minha direção. Só então percebo que ela está sentada em uma cadeira de rodas e fico completamente sem graça." (Página 30) 
Porém, Ellie não é a única personagem interessante nesse enredo. Em certo ponto, aparece uma personagem intrigante que acrescenta ao livro uma pitada especial e o torna um pouco mais interessante. O aparecimento dessa personagem trás também questionamentos sobre um assunto muito importante que é a depressão. Essa doença é bastante comum nos dias atuais, principalmente entre os jovens e deve ser cada vez mais debatida, notada, valorizada (no sentido de ganhar devida importância e não ser tratada como frescura) e combatida.

Acho de grande valia um livro como esse, voltado para um público mais adolescente, fazer menção a esse tipo de assunto, pois muitos jovens podem se identificar e encontrar ali mais um motivo para lutar. Além disso, muitos pais podem, através da leitura de obras que abordem essa temática, reconhecer nos filhos os mesmos sintomas e ajudá-los o quanto antes. Contudo, confesso que não acho que a forma como a doença foi trabalhada nesse livro em especial e, mais ainda, a reação de Tyler sobre ela, foram ideais. O problema é que, dependendo do modo com que certos assuntos são tratados, podem acabar se tornando gatilhos para alguns leitores mais fragilizados. É algo muito delicado.
"O que ela está fazendo? Quando ela estica o braço e meio que o acaricia com a lâmina, sei o que é que ela me lembrou. Seu rosto e sua postura e a maneira como seu corpo relaxa quando o sangue escorre são iguais aos dos viciados que já vi se aplicando no parque. Me sinto enjoado como jamais senti e tenho que morder a língua para não fazer nenhum barulho. Ao mesmo tempo sinto uma leve... não quero nem dizer... mas tem algo de quase excitante em estar ali vendo seu olhar fixo no sangue correndo pelo braço. Sinto que estou vendo algo muito íntimo e muito real." (Página 165)


Algo interessante a citar é o forte conflito de identidade vivido por Ty, que vê sua vida e tudo que conhecia ficar para trás quando é obrigado a mudar de identidade e de casa, e passa a ser protegido pela polícia. O garoto tem que mudar seu visual, se esconder e fingir ser quem ele não é para evitar chamar atenção. Sob essas circunstâncias, começa a fazer um jogo consigo: ele cria em sua mente uma personalidade totalmente diferente do que a que tinha e se faz acreditar que, agora, o "novo ele" (chamado Joe) é daquele jeito.

"Quando corro, não importa se sou Joe ou Ty. Correr não é simplesmente uma fuga, tem a ver com poder e força, espantar o medo do desconhecido, pessoas que querem me silenciar." (Página 31)

"— Vocês tem meia hora para fazer as malas — ele diz. — Melhor pensar bem no que vão levar, pois talvez não possam mais voltar."
"Pode até ser bom parar de fingir o tempo todo, mas às vezes penso que fingir é só o que me faz continuar." (Página 41)
O fato de ter que mudar completamente e fingir ser quem não é bagunça totalmente a cabeça do garoto, que cria um conflito interno sobre o que é ou não real em sua vida, quem é ele de verdade agora e se um dia poderá voltar a ser uma pessoa normal. Joe/Ty é muito afetado por tudo que está acontecendo em sua vida, e percebemos o quanto toda essa mudança faz mal para o garoto que naturalmente já passava por uma fase complicada que é o principio da adolescência.


Para finalizar, meus comentários sobre a edição física do livro. A fonte é confortável como todos os livros da Editora Novo Conceito que já li. A diagramação está boa e não me lembro de ter encontrado erros. Todo começo de capítulo tem uma palavra ou pequena frase que o resume e isso é legal (sempre ficava tentando imaginar o que iria acontecer ao ler a palavra). Eu gosto bastante dessa capa, acho que passa bem o clima do livro. Enfim, apesar de a história ter deixado a desejar, nada a reclamar acerca dos aspectos gráficos.


Três estrelas... Bom.





Quando eu era Joe
Keren David




Sobre a autora

Keren
 Keren David
 Site • Good Reads • Skoob • Twitter  • Facebook 
Keren David flerta com o jornalismo desde os 18 anos. Já atuou como repórter, correspondente na editoria de política e editora. Trabalhou no The Independent, mas também foi articulista para outros jornais de porte nacional. Quando se mudou para Amsterdã, foi editora-chefe de uma agência de fotojornalismo, e, após oito anos na Holanda, voltou à Inglaterra decidida a escrever um livro. Matriculou-se em um curso de Escrita para Crianças na City University, onde foi orientada de Amanda Swift e onde, ao fazer um exercício de plano de enredo, deu início ao seu primeiro livro: QUANDO EU ERA JOE.

Au revoir ♡

Um comentário:

  1. Oi, Polyana como vai? Não li este livro. Que pena que o protagonista seja tão imaturo, mas faz parte desta fase não é mesmo! Achei a capa muito bonita. Parabéns pela resenha, ficou maravilhosa. Abraço!


    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

    ResponderExcluir




Sabia que, a cada vez que uma pessoa sai de um blog sem comentar, um livro maravilhoso é queimado? É verdade esse bilete (hehe' :P). Então, que bom que está comentando! Um livro maravilhoso será salvo!!!

Brincadeiras à parte, obrigada por deixar um pouco de carinho. É sempre bom ouvir sua opinião! :)

Lembre-se sempre de marcar a caixinha "Notifique-me" do lado direito para ser notificado quando eu responder seu comentário (respondo todos). <3